A Lei, por Adriano Gianturco

Pra que servem (ou deveriam servir) as Leis? Quais as diferenças entre o que se acredita serem as intenções das Leis e seus resultados práticos? Como é o conflito entre os que criam as Leis e seus próprios interesses?

Adriano Gianturco, cientista político e Conselheiro de Avaliação de Leis do Ranking dos Políticos, fez uma brilhante palestra sobre o tema durante o 31º Fórum da Liberdade.

Abaixo, disponibilizamos o vídeo e a transcrição da apresentação. Uma aula!

 

 

 

 

 

“A Lei.

Acreditamos que a lei deva ser justa, deva fazer o bem, evitar e punir o mal.

Acreditamos que os problemas surjam quando a lei é desrespeitada, corrompida e não aplicada.

E claro, o que todos nós queremos é o estado de direito, o império da lei, a segurança jurídica e o governo das leis, e não o governo dos homens.

Mas a lei é feita por homens, e às vezes é a mesma lei a ser injusta, a ser ineficiente e a gerar corrupção. É a mesma lei a ser ferramenta de poder, de pilhagem e de controle social.

Por exemplo, acreditamos que deveríamos ser todos iguais perante a lei. É o princípio da isonomia, da igualdade formal e jurídica. Mas é a mesma lei, às vezes, que faz diferenças.

Que faz diferenças entre quem tem foro privilegiado e quem tem a justiça comum; entre terra privada e terra estatal – sendo que na primeira alguém pode sempre pedir usucapião, e na terra estatal nunca, ninguém.

É a mesma lei que faz diferenças entre trabalhadores privados que pagam impostos, e burocratas estatais que recebem impostos e salários acima do teto e fora do mercado.

É a mesma lei que faz diferença entre quem pode e quem não pode, entre quem pode tudo e quem pode nada.

Acreditamos que o Estado deveria aplicar a lei, mas são eles às vezes, que não respeitam a lei. Quando por exemplo, fazem o impeachment do presidente mas não tiram os direitos políticos.

Quando o governador do estado, como aconteceu aqui, não pagam o piso salarial dos professores. Ou como aconteceu em outros estados, quando confiscam depósitos judiciais de terceiros para pagar os rombos nas contas que eles fizeram.

São eles que não respeitam as leis, com encontros fora da agenda e salários acima do teto.

Acreditamos que a lei deveria limitar o poder, mas às vezes é a mesma lei a dar o poder. Ao ponto que muitos querem virar juristas e advogados exatamente para ter poder e dar carteiradas.

É a mesma lei a dar privilégios, carros com motoristas, cafezinho, vale terno e sofá no gabinete. É exatamente o fato de que tudo está na Constituição – não por acaso é a terceira constituição mais longa do planeta – a dar poder ao Estado e a operar o STF.

É a vagueza da lei, a deixar alguma margem de interpretação e muita margem de poder. Afinal, alguém já disse: aos amigos: os favores; e aos inimigos: a lei.

Acreditamos que a lei deve ser moral, e que é moral, mas esquecemos que a escravidão foi legal, que os campos de concentração foram legais, que o Apartheid foi legal, que o fundo eleitoral é legal, que as desapropriações das favelas são legais, que ambulantes e mendigos são retirados das nossas calçadas todos os dias com força de lei.

Esquecemos que o BNDES retira 9% do PIB dos pobres para distribuir para as empresas grandes e ricas. Na verdade a lei acaba com a moralidade quando, por exemplo, finge que está distribuindo recursos para os pobres. E aí as pessoas não ajudam, porque pensam: “eu já fiz meu dever, eu já paguei impostos”.

Quando institui, por exemplo, prioridades nos caixas e nos ônibus, e aí o que acontece é que quando chega uma gestante ou um velho, nós não deixamos passar porque pensamos que já existe um assento específico para eles. Ou quando confundimos a lei com moralidade, e aí nos tornamos robôs obedientes e amorais.

Acreditamos, ainda, que a lei deve promover um ambiente econômico eficiente. Mas é a mesma lei que gera ineficiência torrando, por exemplo, bilhões e bilhões com Copa do Mundo, Olimpíadas, estádio em Manaus e em Brasília.

É por lei que se institui e se administra o BNDES  o maior banco de desenvolvimento do mundo  maior que o Banco Mundial, que não gera desenvolvimento nenhum; que gera subdesenvolvimento. Deveria até de chamar BNSUB, Banco Nacional de Subdesenvolvimento.

É por lei que se faz protecionismo e é assim que o Brasil virou uma das economias mais fechadas do planeta. E para quem não acredita – porque sempre ninguém acredita – eis aqui os dados. É por lei que se exigem autorizações, concessões, alvarás, carimbos vários, ao ponto de nos colocar nos últimos lugares de liberdade econômica do planeta. Na posição 153 em 180, pouco antes de países como Cuba, Coreia do Norte, Venezuela, entre os países quase não livres.

É por lei que hiper-regulamentam todos os dias a nossa vida, vamos lembrar só alguns casos. Os mais recentes: rádio obrigatório nos celulares, regulação do esporte eletrônico, proibição de desconto para mulheres em bares e boates, segunda-feira sem carne, revisão obrigatória do ar-condicionado, kit anti-incêndio (só pra depois mudar de ideia), proibição do sal na mesa, proibição da cobrança para orçamentos, proibição de cobrar por sentar na mesa do bar… Teve até uma lei para decidir se a espuma da cerveja era cerveja!

E agora acabaram de instituir o Dia Nacional do Desafio: em todas as últimas quartas-feiras de maio, todas as empresas serão obrigadas a fazer 15 minutos de exercícios para os funcionários. Isso já foi aprovado, já é lei (se preparem). Eu lembro dos meus avós quando me contavam do “sábado fascista” instituído por Mussolini, quando no sábado as pessoas deveriam fazer ginástica em praça pública – exatamente a mesma coisa.

Desde 1988, foram aprovados 5,4 milhões de dispositivos legais, 769 por dia útil. Só ao nível federal são 15 por dia. Considerando os três entes federativos, e considerando que cada um de nós mora em só uma cidade e só um estado, é uma média de 217 mil dispositivos legais em cima de cada um de nós. É humanamente impossível saber e seguir estas leis.

E ainda muitos repetem: “o Brasil tem boas leis, o problema é que não são aplicadas”. Não! O Brasil tem leis demais. Se fossem todas aplicadas perfeitamente o Brasil pararia.

Mas é essa visão fantástica das leis que faz com que Brasil afora nas universidades se ensine a visão da lei e do direito como ferramenta de mudança social. Ou seja, a ideia de usar o direito para moldar e plasmar a sociedade segundo os próprios prazeres. Pura engenharia social, puro coletivismo, puro totalitarismo jurídico.

Enquanto no resto do mundo o direito é um simples método de resolução de conflitos, ao contrário, aqui, se gera mais conflito com a judicialização das relações sociais, que muitos até celebram e os advogados agradecem. Afinal, a indústria do dano moral, por exemplo, gera milhões de causas lucrativas.

É ainda por esta visão da lei que o fiscal se acha importante e todo empoderado por um crachá, dado pelo Leviatã, ele acha que “o Brasil não dá certo porque a lei não é aplicada, agora vou aplicar a lei e vira a Suíça, por decreto lei”.

E é ainda, por esta visão, que as pessoas chegam a delatar o próprio vizinho, porque ousou cortar uma árvore na própria propriedade, porque deu um tapa no próprio filho. Delatar o próximo ao Príncipe, uma mentalidade de SS nazistas. E para o Estado é perfeito, porque terceirizou a fiscalização e colocou as pessoas umas contra as outras.

Mas ainda assim, as pessoas repetem: “falta fiscalização”. Enquanto o que acontece de fato é o seguinte: as grandes empresas, vão diretamente pressionar o legislador, para fazer uma lei que encarece o processo, o custo de produção, para jogar o concorrente menor fora do mercado, e aí, ficar com o monopólio. Aí, quando o fiscal vai controlar o comerciante para aplicar esta lei corrupta, a ele só resta ter que pagar a multa ou pagar o fiscal. Mas a lei foi feita exatamente para gerar isso.

Acreditamos enfim, que a lei deve evitar e punir a corrupção – afinal, a corrupção é exatamente desviar do fim oficial e mais nobre da lei, desviar recursos e dinheiro. Mas a mesma lei é feita para gerar corrupção. As empresas estatais e bancos estatais servem para empregar e dar poltronas aos amigos e fazer ganhar leilões as empresas amigas.

A hiper-burocracia dos portos mais lentos do mundo serve exatamente para que, a um certo ponto, chegue o empregado do porto e apresente uma alternativa, um jeitinho, para despachar ou desembarcar a mercadoria mais rapidamente.

O superfaturamento das infraestruturas não é um erro, não é falta planejamento, é um planejamento espertinho demais. Na verdade, se faz infraestrutura exatamente para desviar dinheiro. O custo deles é que para fazer isso, tem que nos dar a ponte. E a merenda escolar é a mesma coisa. Você pode gritar: “roubaram a merenda do meu filho” mas, na verdade, objetivo mesmo é desviar. Para isso, tem que nos dar algumas merendas.

O que nós chamamos de corrupção, na verdade, é o objetivo real dos políticos, é a função normal do Estado, o resto é a máscara. E claro, temos que mudar isso.

Conclusão: existe uma diferença enorme entre lei e legislação.

Aquela da qual estamos falando aqui até agora é, na verdade, a legislação, e não a lei. As leis são as leis da economia, como a lei da demanda e da oferta, ou as leis naturais. A lei é um fenômeno descritivo, espontâneo, de baixo para cima – é m fenômeno natural. A legislação é um fenômeno prescritivo, de cima para baixo, impositivo – é um fenômeno político. E a legislação vira mera vontade do leviatã, preto em branco.

Sim, temos que respeitar a lei, e temos que tentar melhorar a lei. E o que os dois grandes homens aqui (Juízes Sérgio Moro e Antonio Di Pietro) fizeram e estão fazendo, é fundamental para domar a besta. Mas, não basta! Prender os responsáveis é essencial, mas não é só isso. É como quando você prende o chefe do tráfico e três segundos depois surge um outro. Isso não resolve o problema que é um problema sistêmico de incentivo e de estrutura.

Não é só colocar a pessoa certa que tudo vai melhorar, não é o salvador da pátria que vai melhorar o universo e vai resolver o país agora nas próximas eleições. É o tanque que está furado, não adianta colocar gasolina, é o carro que tem que ser trocado e não só o motorista.

Temos que revirar o Estado ao avesso, temos que reverter a estrutura estatal, temos que mudar a sua função, temos que limitar o impacto de seus incentivos perversos, temos que limitar sua dinâmica. Para que a lei seja mais poderosa que a legislação, para que seja eles a obedecer a nós, e não o contrário.

Temos que diluir o poder político ao máximo possível, temos que descentralizar de Brasília para os estados, para os municípios e para os bairros, para nós podermos fiscalizar o Príncipe e não vice-versa. Para poder ter diferentes sistemas jurídicos em concorrência entre eles, experimentar e testar os melhores emular os casos de sucesso e evitar os casos de fracasso.

Métodos privados de resolução de conflitos, como a arbitragem, tem que ser ampliados para mais esferas. E especialmente, temos que fazer uma divisão clara e forte entre economia e política para minimizar conluio, o lobismo e a corrupção. Temos que tirar a política da nossa vida e do nosso bolso.

Para concluir, eu me lembro de um depoimento de uma Senadora famosa, recentemente no TRF4 de Curitiba, no qual estava sendo perguntada se sabia de nomeações políticas nas empresas estatais. E ela respondeu: “Claro que sim! Mas essa é a lógica da política. O judiciário também tem sua lógica, e a política tem a sua. Vocês então estão querendo criminalizar a lógica da política?”.

Cara Senadora, é isso mesmo: queremos criminalizar a lógica da política, porque esta lógica da política é criminosa!”

 

Adriano Gianturco é cientista político, Conselheiro de Avaliação de Leis do Ranking dos Políticos e autor do livro “A Ciência da Política – Uma introdução”.