A coibição da “prática abusiva de preços” causará mais mortes durante a pandemia

O título deste artigo pode soar um pouco estranho. Como pode uma política de “redução” de preços, que impede que os produtos fiquem mais caros, causar mais mortes? Como colocado  por Steve Horwitz neste excelente artigo, traduzido pela Hayek Global College, por mais que o público que defenda a coibição tenha boas intenções, as  “consequência não intencionais” podem ser trágicas. Para entender, leia até o final.

Em época de Coronavírus, aumentar o preço de produtos de alta necessidade como o álcool gel, não é nada popular. Nossa primeira reação é de repulsa aos vendedores, que querem lucrar à custa da necessidade vital dos outros.

Poderíamos tratar da moralidade do assunto, defendendo aqui o direito de propriedade do vendedor e discutir em qual nível se justifica intervir no ato voluntário da troca mútua etc., mas não vamos fazer isso. Concordamos que não estamos no luxo de fazer discussões ideológicas.

O momento requer que sejamos pragmáticos.

As consequências de decisões erradas serão extremas. Em algum momento alguém que não conseguiu acesso ao álcool gel será infectado porque não o tinha para fazer assepsia das mãos. Esta pessoa, por sua vez, pode disseminar o vírus para outras e, como já bem sabemos, o efeito de transmissão é exponencial, o que pode levar a milhares de mortes.

O problema é sério. É literalmente questão de vida ou morte.

Vamos tratar especificamente do álcool gel, mas os efeitos discutidos valem para máscaras, respiradores ou qualquer outro produto em falta nesta crise.

 

O que precisamos resolver?

O consenso é: precisamos levar álcool gel para o máximo de pessoas possível e, preferencialmente, aos mais vulneráveis contra o vírus.

 

O que temos que manter em mente?

O fenômeno da escassez: sempre existirá uma quantidade limitada destes bens.

 

Por que isso tem sido um desafio durante a crise?

Num curtíssimo prazo houve um aumento súbito de demanda destes produtos, mas não de oferta. Exemplifico com números ilustrativos para entendermos o fenômeno:

Se num momento pré-crise haviam 10 pessoas querendo comprar álcool gel por R$ 5, e 20 unidades disponíveis nas prateleiras, de um dia para o outro a R$ 5 temos 100 pessoas querendo comprar as mesmas 20 unidades disponíveis. Constata-se que, neste preço, há mais pessoas querendo álcool gel do que há unidades disponíveis.

 

Qual são os efeitos decorrentes desta falta de álcool gel?

Devido ao pico de demanda, por R$ 5 não há álcool gel disponível para todo mundo que queira comprar. É o cenário que vimos acontecer: os primeiros compradores levam os potes que estão disponíveis, logo as prateleiras ficam vazias e falta álcool gel para os demais. Outro fator complicador é que, cientes de que poderá faltar o produto no futuro, os primeiros compradores adquirem mais unidades do que usual. Ou seja, em vez de comprar uma unidade como de costume, compram três, quatro ou até mais potes de álcool gel para deixar em casa estocados.

Digamos, portanto, que dos 100 indivíduos que queriam álcool gel, apenas 5 conseguiram comprar, deixando, assim, 95 indivíduos não atendidos.

Temos agora um problema: 95 pessoas que queriam comprar álcool gel, mas não conseguiram.  Há uma previsão de chegarem outras 20 unidades, na semana seguinte, pelo mesmo preço de custo, o que permitiria ao vendedor oferecê-las por R$ 5 e, até lá, inclusive os 5 indivíduos que compraram na semana passada terão um forte incentivo para retornar e comprar mais – ou porque usaram o que tinham, ou não usaram tudo, mas querem comprar mais para estocar, já que avaliam que, a este preço, vale a pena realizar uma nova compra.

A partir deste ponto, dada a alta demanda e a escassez da oferta, surgem duas necessidades de cunho social quanto ao produto: 1) racionalizar melhor o provimento de álcool gel para as pessoas que realmente precisam, em quantidade adequada, para o uso que mais gere valor; e 2) aumentar a quantidade de álcool gel disponível na comunidade, para que chegue ao máximo de pessoas possível.

Explico em mais detalhes os problemas envolvidos em cada:

  • A racionalização é um desafio complexo e as possibilidades inúmeras. Listo alguns critérios que vêm à mente:
    1. Quanto à priorização entre pessoas, preferiríamos fornecer para pessoas que:
      1. Ainda não possuem álcool gel vs. as que já possuem;
      2. Saem mais para a rua por conta das suas atribuições vs. as que podem ficar dentro de casa;
  • São mais vulneráveis ao vírus vs. ou menos vulneráveis.
  1. Quanto à quantidade, preferiríamos fornecer de forma que chegue mais álcool gel para:
    1. Quem não tem nenhum vs. os que já têm;
    2. Quem tem família grande vs. quem mora sozinho;
  • Os que têm vulneráveis na família vs. quem não tem pessoas vulneráveis na família.
  1. Quanto ao uso, preferiríamos que as pessoas utilizem o álcool para higienização das mãos quando estiverem na rua ao invés de:
    1. Usar para higienização das mãos dentro de casa, em vez de usarem sabão;
    2. Usar como material de limpeza;
  • Usar como ignição de fogo para fazer churrasco ou outra finalidade.
  • Aumentar a quantidade de álcool disponível para a população, de forma significativa, no curto prazo, também não é nada simples. Envolve toda uma cadeia logística desde a produção, armazenamento, transporte, distribuição e venda. Para listar alguns:
    1. As matérias-primas necessárias para a produção, sejam disponibilizadas em maior quantidade para fazer álcool gel, ao invés de outros bens (combustível, bebidas etc.);
    2. Sejam disponibilizados mais armazéns para fazer o estoque do produto;
    3. Que se convençam transportadoras e caminhoneiros a carregarem mais álcool gel do que outros produtos;
    4. Se organize a entrega desses produtos para que chegue em quantidade suficiente aos locais onde mais se precisa;
    5. E, finalmente, o vendedor disponibilize nas prateleiras maior quantidade de tal produto.

E o que pode se fazer para resolver estes problemas?

Chegamos no cerne da questão. Existem dois caminhos:

  • Não permitimos que os vendedores aumentem o preço do álcool gel, e suplicamos à boa vontade da comunidade para comprar em pouca quantidade e não desperdiçar álcool gel, ao mesmo tempo em que pedimos encarecidamente aos vendedores disponibilizarem alguns múltiplos a mais de potes álcool gel nas prateleiras de uma semana para outra. E sim, é claro, deixar que eles convençam uma cadeia de produção inteira a produzir mais pelo mesmo preço. ou;
  • Permitir que aumentem o preço.

Digamos que o pote que custava R$5 passe a ser vendido por R$30. Ao permitir este aumento, a racionalização do produto em todos os critérios listados acima se torna natural, ao mesmo tempo em que se estimula toda a cadeia de produção a trabalhar incessantemente para colocar mais álcool gel nas prateleiras, porque o lucro por unidade produzida será muito maior.

Ao preço de R$30 a unidade, as pessoas serão mais cautelosas com o uso do produto.

Os que o tem estocado serão incentivados a usar água sanitária para limpar a casa, ao invés do álcool. Quem já comprou, tenderá a não comprar de novo. Quem mora sozinho, será desestimulado a comprar outro para estoque. E assim haverá mais álcool disponível para quem ainda não comprou nada, tem família grande com gente vulnerável e com atribuições que os obrigam sair de casa diariamente. Estas pessoas estarão dispostas a pagar mais, pois o produto vai gerar muito mais valor para elas.

Ademais, como consequência do aumento do preço, a venda do álcool passa a ser uma atividade extremamente lucrativa. Lembre-se de que estamos sendo pragmáticos e nos isentando de qualquer questionamento ideológico quanto ao mérito moral dos vendedores lucrarem à custa de uma necessidade pontual em época de crise.

 

Qual a consequência do alto lucro para a produção?

Com a motivação do lucro em seu favor, o vendedor corre para ligar aos seus fornecedores para comprar mais unidades e diz que está disposto a pagar um preço maior do que pagava antes,  se for em maior quantidade. O fornecedor poderá, então, pagar mais caro para o fabricante, que por sua vez conseguirá pagar mais pela matéria-prima. Assim as distribuidoras poderão dar condições melhores em frete para as transportadoras carregarem álcool gel em vez de outros produtos e assim vai reverberando a motivação do lucro por toda a cadeia de produção para produzir mais, mais e mais.

Em seguida, rapidamente outros vendedores perceberão que vender álcool gel está muito mais lucrativo do que vender outros produtos e entrarão também nesta onda. Alguns perceberão que conseguem lucrar vendendo por R$25, assim forçando a queda no preço, devido ao maior número de ofertantes.

Este estímulo de novos entrantes age em toda a cadeia, trazendo assim mais fornecedores também para este mercado, e consequentemente também força o preço dos insumos para um nível mais baixo na cadeia inteira.

Em pouco tempo, o preço voltará a baixar, mas desta vez com muito mais álcool gel disponível no mercado. Haverá um novo preço de equilíbrio para o álcool gel, provavelmente superior aos R$ 5, mas bem inferior aos R$ 30.

Mas e o fator renda?

O aumento do preço amenizou de forma muito mais eficiente os problemas da racionalização e produção do álcool gel, mas reconhecemos que até agora não foi levado em conta o fator “renda”. O aumento de preço também desestimula a compra por pessoas de baixa renda, mesmo aquelas que se enquadrariam nas categorias que estariam dispostas a pagar alto valor pelo produto.

Digamos que, estas pessoas teriam condição de comprar a R$5, talvez, R$ 10, mas não a R$30. No cenário em que há coibição de preços, esta teria a possibilidade de realizar compra. Mas note que é tão somente a “possibilidade.” Pois, o critério de seleção neste caso é a “ordem de chegada.”

Portanto, o controle de preços traz uma vantagem, ao menos inicial, para pessoas de baixa renda: permitir a mera possibilidade de uma maior igualdade de oportunidade para que uma pessoa de baixa renda pudesse chegar na frente dos demais, se ele conseguir ir à farmácia no horário em que o caminhão do álcool gel chega para entregar o seu produto.

 

Tendo em vista este fator renda, qual é o trade-off que estamos enfrentando?

Voltando novamente para o nosso exemplo: temos 100 pessoas que querem o álcool gel, sendo 20 pessoas de baixa renda que conseguem comprar a R$5, mas não a R$30. A R$5, só 5 de 100 conseguem comprar o produto (é o que tem disponível), e dada a proporção, a probabilidade é de que apenas 1 pessoa de baixa renda consiga comprar o álcool gel. No fim 95 ficaram sem o produto.

A R$30 nenhuma das 20 pessoas de baixa renda conseguiriam comprar o produto. Mas neste cenário, dado o aumento da produção e racionalização da venda e uso, a elevação no preço possibilitou que as outras 80 pessoas tivessem acesso ao produto, ou seja, 60 a mais do que no exemplo anterior. Por fim, em cenário com preço maior, 20 pessoas ficaram sem o produto;  no caso, apenas 1 pessoa a mais de baixa renda foi prejudicada quando compara-se com o cenário anterior.

Os números que utilizei são fictícios, mas em qualquer cenário que se aplique a lógica acima, o aumento de produção e melhor racionalização faz com que mais pessoas tenham acesso ao produto.

Como dizemos no início desse artigo, mais do que nunca, permitir o acesso ao álcool gel ao máximo de pessoas possível, ou qualquer produto que seja essencial para combate a esta pandemia, é hoje questão de vida ou morte. No fim das contas, o trade-off entre é:

  • Coibir os preços e impedir que o álcool chegue para mais pessoas, contaminando assim mais pessoas e, por conseguinte, levando a mais mortes. Isso para que se garanta a mera possibilidade de que algumas pessoas de baixa renda cheguem na frente na fila para conseguir o produto; versus
  • Permitir o aumento dos preços para que o álcool chegue para mais pessoas necessitadas e assim salvar mais vidas, reconhecendo que alguns indivíduos de baixa renda não terão dinheiro para comprar num primeiro momento. Porém essas mesmas pessoas de baixa renda serão diretamente beneficiadas pela maior disponibilidade de álcool gel aos demais, seja pela redução do número de pessoas contaminadas, o que reduzirá também a sua probabilidade de se contaminar, seja por, caso se contaminem, aumentará a probabilidade de que encontrem leitos disponíveis para internação.

Sendo pragmáticos temos de reconhecer que, de fato, a coibição de preços provavelmente irá matar mais gente, inclusive as pessoas de baixa renda.

Edson Agatti, especial para o Ranking dos Políticos